quinta-feira, novembro 13, 2008

Tentação


Voltei a cair...
De olhos parados no chão, não ouso levantar-me.
Fico ali.
Exposta aos olhares indiscretos e curiosos que teimam em pousar em mim.
Um vazio e uma angustiante sensação de perdição apoderam-se de todos os meus sentidos.
Vejo o reflexo de uma menina sentada nas margens da sua vida de mulher.
Oiço o silêncio de gargalhadas inóspitas e cruéis.
Cheiro a gota de sangue que brota da minha alma.
Tacteio o nada de que é feito o meu corpo.
Saboreio o sal da lágrima que corre livre no meu rosto e acaba cansada na minha boca.
Passaram-se segundos, minutos, horas? Uma vida?
Perdi a noção do tempo e do espaço, a noção dos sentidos.
Que sentido tem a vida?

E a morte?
A vida faz sentido porque vivemos a pensar na morte. Por isso tememos viver, porque sabemos que vamos morrer.

E cair?
Voltei a cair...
Perdida nos pensamentos que atravessam a minha mente, em catadupa, um em cima do outro, em “strob”, piscam piscam silenciosos mas ávidos de se soltarem num grito que não vem.
Calo-me.
Por vergonha? Por falta de coragem? Por timidez? Por não saber...
Não sei levantar-me.

Tenho que nascer de novo. Aprender tudo do início. Passo a passo. Pé ante pé.
Quero levantar-me: retraio-me e opto pela posição fetal, não como retrocesso mas como defesa.
Defendo-me do que ainda está para vir. Tenho medo.
Fecho os olhos e sonho.
Sonho acordada, mas os olhos fecham-se como que a forçar-me a não ver o que me rodeia. O chão, o sangue, as lágrimas, o corpo, os risos, os olhares.

Dói.
Dói-me mudar.
Movo-me em movimentos suaves, imaginando-me num acordar em que me sussurram ao ouvido: “desperta para a vida!"
Não quero abrir os olhos com receio que não tenha passado de mais um devaneio, de mais um sonho a roçar o pesadelo.

Lá ao longe, oiço o estilhaçar de vidros brilhantes e pontiagudos do que terá sido uma garrafa de um qualquer líquido consumido numa festa que termina com a alvorada: “amanhã é dia de trabalho!!"
Mas...vão todos embora? Partem?
E eu?
Então e eu?
Eu, voltei a cair... levanto os olhos em direcção ao céu e como que em jeito de prece: semicerro os dentes e digo para mim mesma, num tom inaudível, mas que aos meus ouvidos parecem gritos agudos e cegos de tão lúcidos:
“Nunca mais. Nunca mais volto a cair. Desta vez foi a última vez que.... caí em tentação!”

Num ápice, ergo-me ainda ébria de mim mesma, sem conseguir tocar-me, olhar-me nem cheirar-me.
Na boca um travo salgado e ao mesmo tempo doce de quem engoliu muitas lágrimas, misturadas com ilusões que trouxeram decepções.
Num cambalear que se poderia assemelhar a uma dança, rumo a parte incerta.
Esboço a expressão mais parecida com um sorriso a que chamo de sorrisar (meio a sorrir meio a sonhar) e vou, sem olhar para trás.
Parto a pensar que nesta caminhada me elevo e olho para baixo.
**texto: aprendiz ( 2003 )
**foto: A.rolf

4 Comments:

Blogger Aprendiz said...

Dizem que a melhor forma de te livrares de uma tentação é entregares-te a ela.

Será?

**Roque, para que não digas que só escrevo "coisas infantis"!

beijitos! e ainda bem que andas por aí !

10:17 da manhã  
Blogger Henrik said...

O meu mote de vida, há já bastante tempo, é retirado do 'Worstward Ho' de Samuel Becket: «Try Again. Fail Again. Fail Better.» Portanto, caíste, ora levanta-te, prepara-te para cair de novo mas para cair melhor.
Beijos.

6:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

"Eles que estão aí, atravancando meu caminho....Eles passarão...
Eu passarinho!" Mário Quintana

Qdo caio não penso em como levantar...penso em como voltar a voar...

5:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Se não caíres de vez em quando, não te estás a esforçar o suficiente...

VP

6:00 da tarde  

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